OUTRA VEZ NA ESCOLA
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pag. 39 a 41
Sítio Melão |
Era muito pouco o estudo que tínhamos tido na escola do Melão e, como tal, insuficiente para nos aventurarmos em qualquer atividade que não fosse o cativeiro ao cabo da enxada.
Minha irmã Maria Virgem tinha clara noção disso. Se não a todos de uma vez, era preciso dar a pelo um a oportunidade de desenvolver-se no domínio das letras. Seria abrir uma porta que, nas incertezas do futuro, nos possibilitasse trilhar caminhos menos ásperos e guiasse no exemplo aos que viessem depois. Assim, sabendo de minha decisão de não ir mais trabalhar no eito, ela me perguntou se eu não queria deixar de novo o sítio para ir estudar em Cajazeiras.
A residência da veneranda Mãe Aninha |
Eram duas coisas que me fascinavam, tanto mais vindo juntas: morar na cidade e avançar nos estudos.
Voltei à casa do meu avô. Padim Zeco se mudara e, nessa época, estava morando na casa que, na tradição cajazeirense, tinha sido a residência da veneranda Mãe Aninha, genitora do Padre Inácio de Sousa Rolim, fundador da cidade (clique aqui e leia outro trecho do livro sobre a casa de Mãe Aninha). Era uma velha construção de taipa, situada no meio dos dois lances do açude, ao pé das cajaranas que substituíram as cajazeiras originais, de onde surgiu o nome do lugar.
A pouca distância, descendo o balde do açude, na rua Sousa Assis de hoje, ficava a escola pública, sob a direção da dedicada mestra Maria Júlia David, de saudosa memória. Matriculei-me com alegria e tive que fazer prova dos meus conhecimentos para saber em que série a professora iria aceitar-me. O livro era Nossa pátria, de Rocha Pombo.
- Esse eu já dei do primeiro ao quarto.
E li sem titubear, uma passagem do 4º livro.
- Vamos, então, à matemática.
Quando a mestre abriu a Aritmética de Trajano, empaquei na primeira pergunta, pois na escola de Teté não tivemos tempo de estudar nenhum tipo de conta, nem mesmo a tabuada.
- Vais ficar na segunda série.
Assim retornei o estudo de páginas e páginas de leitura e do Manuscrito, que quase já sabia de cor, e me atirei com todas as forças ao estudo das quatro operações.
Aprendi que era indispensável para, a partir de então, poder eu mesmo tomar de conta dos me negócios. Sentia-me aos poucos um homem livre.
Os meus agradecimentos a Maria Virgem foram apresentados depois, num ato quase simbólico, quando de seu casamento com Antônio Duarte de Oliveira (Antônio Bigi), a 28 de novembro de 1937. o enxoval de minha irmã foi preparado na máquina Singer que, junto com outros familiares, ajudei-a a comprar, em 50 meses de prestação, compromisso que ela resgatou em menos de dois anos.
Nesse ano de 1936, bem perto de onde morávamos, foi inaugurado o açougue Público de Cajazeiras, obra do prefeito Coronel Joaquim Matos, primo do meu avô. Eu a acompanhei a construção desse edifício público passo a passo. Ao final das aulas na escola da professora Maria Júlia David, eu passava extasiado diante dos andaimes, e, à tarde, ficava horas e horas observando aquela obra como se fosse eu um dos seus operários.
Nesse mesmo ano, tivemos pela primeira vez a presença de Frei Damião, trazido pelo laborioso bispo D. João Mata Amaral, para as Santas Missões na cidade. esse fato ficou impregnado na minha memória menos pela pregação do frade, que pouco acompanhei, e mais porque, foi na casa de Padim Zeco, contávamos então com a sua filha tia Amélia, e o marido, Mestre Ciço, protestante convicto, que descarregava sobre nós a sua bateria de protestos contra a palavra e a ação missionária do capuchinho.