terça-feira, 26 de julho de 2011

21 OUTRA VEZ COMERCIÁRIO, A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

OUTRA VEZ COMERCIÁRIO
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 51 a 52
Voltando novamente ao Melão, passada a seca, juntei-me aos meus irmãos e cuidamos de aproveitar nas vazantes do açude do Olho d‘Água, as mudas de arroz que eles plantaram. Ao mesmo tempo, tratamos de fazer outra vazante no açude do Boqueirão de Piranhas, um oásis naquele deserto.
Era uma canseira que não dava folga nem aos fins de semana, pois os domingos eram reservado para as viagens num domingo para o Olho d’ Água, noutro para o Boqueirão.
Pelos fins de maio de 1943, acabava eu de chegar em casa de uma dessas viagens, quando fui informado por minha irmã Alodias que o senhor Raimundo Dias me havia envidado uma carta, tratando de assunto comercial.
Nem cheguei a retirar a sela do animal. Apesar de já ter cavalgado por mais de doze léguas, segui imediatamente a Ipaumirim, para um atendimento pessoal como o meu ex- patrão.
-Vou abrir uma filial de tecido no Umari e quero saber se você aceita tomar conta dessa loja.
Respondi-lhe que sim, mas antecipei-lhe que não tinha experiência com tecidos.
-Isso é  o menos,Chico. Quero saber se você enfrenta o negócio
-Quando o senhor quer ir ao Umari para acertar a escolha do ponto comercial?
-Isso vai depender de você.
-Pois, se depender de mim, vamos agora mesmo.
O velho ponderou que devíamos deixar para outra oportunidade a viagem, pois eu já havia  puxado o cavalo por mais de 15 léguas naquele dia.
-Olhe, seu Raimundo, eu sou de opinião de que aquilo que se pode fazer hoje não se deixa para amanha.
Seguimos naquela mesma tarde para o Umari Lá deixamos o ponto alugado e reservado o hotel para o gerente. A loja seria inaugurada dentro do mais breve possível. Raimundo Dias iria fazer compras em Campina Grande e Recife. Eu ficaria em Ipaumirim para pegar um pouco de pratica de tecidos.
Inauguramos a loja a 12 de junho de 1943.







 

segunda-feira, 4 de julho de 2011

20 CASSACO DE RODAGEM, A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

CASSACO DE RODAGEM
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 49 a 50


As experiências eram desencontradas. Os sertanejos não sabiam em que se apegar. Teríamos inverno em 1942? A barra de Conceição, as pedras de sal no dia de Santa Luzia, o nevoeiro de Natal poderiam falar por açudes cheios, gado gordo, sertão verde respondendo às chuvas. O canto do caboré, a casa do João-de-barro, o halo em torno à lua, o por do sol diziam: o ano será seco.
Tocamos a esperar. Janeiro não choveu. Acordávamos cedinho para observar o nascente. Que segredos decifrar? Nada de chuva. Fevereiro. As brocas feitas, as roças esperando, o gado pedindo água. Alguns urubus começavam a se aglomerar nos pés de trapiá, na marizeira desgalhada, por cima das estacas do curral. Outros voejavam em círculos, deleitados, inspecionando o chão, adivinhos da catástrofe.
Chegou o mês de março. Promessas, rezas a São José. Como poderíamos nós ser tão castigados? Afinal, seria o nosso povo assim tão pecador que estivesse a merecer, quando menos esperasse, mais uma punição? O santo teve pena dos seus sertanejos. A 19 do mês, quando já nos escapava a última esperança, caiu uma chuva grossa, de fazer córrego. Os matutos tomavam banho nas biqueiras e bebiam cachaça à vontade, aquela chuva lavava a alma como uma bênção salvadora.
E foi tudo. Logo os céus se fecharam como arcas de avarento. As sementes atiradas ao chão morreram no primeiro verde, estorricando as folhas tenras. Nada pra comer.
- Se, pelo menos, a gente contasse de novo com Zé Américo ...
Mais uma vez, levas e levas de nordestinos emigraram para outros rincões. E, como paliativo, a abertura de Frentes de Emergência, com a exploração do braço inativo dos nossos homens na abertura de estradas. Para nós do Melão coube-nos reunir pás e picaretas para o alistamento nos trabalhos da Rodovia Transnordestina, a mais próxima de nossas áreas.
Seria exagero dizer que o meu aprendizado de vida inclui essa experiência como cassaco de rodagem. Ainda hoje a nossa gente ignora de tal forma as primeiras letras, que às poucas pessoas que sabem ler é reservado o das frentes de serviços. A mim me coube, na seca de 1942, trabalhar na turma da locação da Transnordestina, posição cômoda que obtive através do Chefe de Serviço, José Nóbrega. Mas, como aquele lugar estava reservado par um afilhado do feitor, cedo obriguei-me a deixar o trabalho.
Com poucos dias, eu passava por aquela estrada, pedalando a bicicleta.
- Oiá lá. Aquilo não é Chico Rolim?
- Ei, rapaz, pr’onde ta indo?
Eu ia em procura do Sítio Tamanduá, município de Brejo Santo, para trabalhar num fornecimento de gêneros aos flagelados. Ia ser empregado do senhor Raimundo Dias do Nascimento, que, em Ipaumirim, tinha uma loja de tecidos em frente à mercearia do Senhor de Piano.
Aí fiquei até abril de 1943.