segunda-feira, 4 de julho de 2011

20 CASSACO DE RODAGEM, A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

CASSACO DE RODAGEM
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 49 a 50


As experiências eram desencontradas. Os sertanejos não sabiam em que se apegar. Teríamos inverno em 1942? A barra de Conceição, as pedras de sal no dia de Santa Luzia, o nevoeiro de Natal poderiam falar por açudes cheios, gado gordo, sertão verde respondendo às chuvas. O canto do caboré, a casa do João-de-barro, o halo em torno à lua, o por do sol diziam: o ano será seco.
Tocamos a esperar. Janeiro não choveu. Acordávamos cedinho para observar o nascente. Que segredos decifrar? Nada de chuva. Fevereiro. As brocas feitas, as roças esperando, o gado pedindo água. Alguns urubus começavam a se aglomerar nos pés de trapiá, na marizeira desgalhada, por cima das estacas do curral. Outros voejavam em círculos, deleitados, inspecionando o chão, adivinhos da catástrofe.
Chegou o mês de março. Promessas, rezas a São José. Como poderíamos nós ser tão castigados? Afinal, seria o nosso povo assim tão pecador que estivesse a merecer, quando menos esperasse, mais uma punição? O santo teve pena dos seus sertanejos. A 19 do mês, quando já nos escapava a última esperança, caiu uma chuva grossa, de fazer córrego. Os matutos tomavam banho nas biqueiras e bebiam cachaça à vontade, aquela chuva lavava a alma como uma bênção salvadora.
E foi tudo. Logo os céus se fecharam como arcas de avarento. As sementes atiradas ao chão morreram no primeiro verde, estorricando as folhas tenras. Nada pra comer.
- Se, pelo menos, a gente contasse de novo com Zé Américo ...
Mais uma vez, levas e levas de nordestinos emigraram para outros rincões. E, como paliativo, a abertura de Frentes de Emergência, com a exploração do braço inativo dos nossos homens na abertura de estradas. Para nós do Melão coube-nos reunir pás e picaretas para o alistamento nos trabalhos da Rodovia Transnordestina, a mais próxima de nossas áreas.
Seria exagero dizer que o meu aprendizado de vida inclui essa experiência como cassaco de rodagem. Ainda hoje a nossa gente ignora de tal forma as primeiras letras, que às poucas pessoas que sabem ler é reservado o das frentes de serviços. A mim me coube, na seca de 1942, trabalhar na turma da locação da Transnordestina, posição cômoda que obtive através do Chefe de Serviço, José Nóbrega. Mas, como aquele lugar estava reservado par um afilhado do feitor, cedo obriguei-me a deixar o trabalho.
Com poucos dias, eu passava por aquela estrada, pedalando a bicicleta.
- Oiá lá. Aquilo não é Chico Rolim?
- Ei, rapaz, pr’onde ta indo?
Eu ia em procura do Sítio Tamanduá, município de Brejo Santo, para trabalhar num fornecimento de gêneros aos flagelados. Ia ser empregado do senhor Raimundo Dias do Nascimento, que, em Ipaumirim, tinha uma loja de tecidos em frente à mercearia do Senhor de Piano.
Aí fiquei até abril de 1943.






 

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