1930, DE PRINCESA, DE JOÃO PESSOA, DA REVOLUÇÃO
Do livro Do Miolo do Sertão
pag. 23 a 24
O que é uma revolução?
Digam o que quiserem os estudiosos, a palavra revolução para mim quase não chega a evocar a luta armada, o derramamento de sangue, a massa organizada na praça pública, a deposição do Governo, a mudança de regime. Para mim – afora o sentido inafastável de risco e perigo, de trepidação das forças sociais, que só com o passar dos anos, incorporei ao núcleo original do meu entendimento – revolução me vem antes associada à idéia de alegria ruidosa, de rostos estranhos, mas amigos, de conversa escondida de gente grande.
Que outro registro fixou na memória esse menino perdido naqueles grotões onde não se conhecia jornal, e aonde as notícias chegavam sempre atrasadas, entrecortadas de cochichos e vagas alusões da parte dos adultos, de boatos contraditórios que já metiam medo porque os fatos já haviam se passado e aconteceram “lá longe”?
Quase nada tenho a depor sobre a famosa Revolução de 30. Naqueles tempos, o Brasil era ainda uma imensa fazenda e eu era parte da “Fazenda Brasil”. As “coisa da capital” nos eram estranhas e inexplicáveis como episódios do outro mundo. Já nem me refiro a Getúlio Vargas, nome distante demais que não circulou nessa época entre nós. Mas que princesa foi essa que os mais velhos falavam que tinha se revoltado? Ela devia ser uma mulher terrível para levantar assim a voz, pois as mulheres ao meu redor eram, sem exceção, a sombra de seus maridos ou dos homens de família em geral e, como tais, não costumavam tomar sequer a palavra em público. Que pessoa mais esquisita era esse tal de João Pessoa! Em que trapalhada ele foi se meter, hein? Pois não é que, por causa dele, apareceram soldados pra tudo quanto lado? E esse Zé Pereira Lima? Um coronel maluco, só podia ser. Pra que lado ficava essa capital da Paraíba? E o tiro no presidente?
A Revolução de 30 para os habitantes do Melão* - completo hoje pelo depoimento dos mais velhos – não significou mais do que a visita, por uma semana quando muito, de “guardas da fronteira”, que desciam nessa época até o Melão e, quebrando a monotonia daqueles rostos sempre os mesmos, vinham se arranchar na “Casa de Lã”, o depósito abandonado da antiga bolandeira do meu pai. Para a meninada era quase uma festa. Na minha memória gravou-se o nome de um tenente Benedito, sem que possa precisar nada de sua fisionomia. Da “tropa” desse oficial – três ou quatro homens, se muito – ficou o caso daquele soldado que, tendo ido ao Baixio para os festejos de São João, por lá embriagou-se a mais não poder. No caminho de volta, com o calor da viagem, ainda achou interessante tomar mais uns tragos. Entornou a garrafa e procurou alguma coisa para tira-gosto. Nada para completar o sabor da cachaça. Não podia ser. lembrou-se que havia comprado uns biscoitos, mas esqueceu que misturara o pacote com umas bombas que lhe haviam sobrado da brincadeira joanina. Ao enfiar as mãos no bolso e puxar pela guloseima, deu-se por si mastigando uma bomba, que lhe explodiu entre os dentes, deixando-lhe a cara em petição de miséria.
* Sítio no Ceará, fronteiriço da Paraíba, onde Chico Rolim nasceu e viveu a sua infância.
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