sábado, 21 de maio de 2011

16 DA TERRA NASCE A RIQUEZA - A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

DA TERRA NASCE A RIQUEZA
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 41 a 42

Na minha escola da cidade, de contornos tão vivos em minha saudade, aprendi o que o foi preciso, pois, como é sabido, a necessidade tem razões que os próprios caprichos da vida desconhecem. Apenas três meses durou o meu sonho de fazer carreira nos estudos. Uma vez mais e definitivamente arrancado dos bancos escolares, tornei à mesma faina com os irmãos, evidente como estava ser demais eu pretender a exclusividade do ócio para estudar, sem ter quem o custeasse.
Uma outra compreensão, porém, eu trazia ao sentido do trabalho pesado no campo. Ao contrário de refugá-lo, conforme antes prometera em tom solene, era o caso de apressar-me em produzir mais, de pedir a Deus bons invernos, e trabalhar até o limite de minhas forças: abraçasse eu ou não esta verdade, era na terra, e, em torno, nas propriedades de que pudéssemos dispor – sobretudo para os sacrificados plantios de vazante, que nos dariam o luxo de poder pilar algumas sacas de arroz para o consumo doméstico – era na terra que estava a viabilidade de nossa libertação. Era bastante tomá-la como única fonte de riqueza, e fazê-la produtiva ao máximo do que a natureza nos permitisse.
Os quatro irmãos nos reunimos num esforço concentrado. Mesmo tendo cada um as suas tarefas plantadas, o que no levava a tirar proveito do espírito de emulação próprio de nossa idade, nós organizávamos roças em conjunto, numa só área, dividida apenas por balizas e, nos dias de trabalho mais exigente, fazíamos o mutirão na segunda-feira, ajudando a Valdemar; na terça a Francisco; na quarta a Micena; até reiniciarmos o rodízio.
Minha mãe podia agora ficar em casa cuidando do panelão fervente. De então em diante, os seus filhos adolescentes responderiam pelo encargo de abastecer a casa e prover ao bem-estar da família. Em compensação, era deles o lucro da venda do algodão, o que lhes permitia botar os primeiros trocados no bolso, comprar alguma roupa, uns calçados, quem sabe pensar num animal de sela, uma vaca de leite.
De começo, um burro de frete. Juntando-se à tropa de algum almocreve amigo ou vizinho, poderia nos facilitar a compra da primeira montaria.
- Ciço, aqui está o dinheiro. Pode negociar para Valdemar a burra que você falou com Hilário Moreira.
Meu cunhado trouxe para o Melão o animal mais manso que por lá apareceu. Na safra do ano seguinte, fui contemplado com o mesmo benefício, que, àqueles tempos, tinha a importância de um automóvel de luxo. Micena e Matias também tiveram a sua vez.
Aos poucos, os filhos de Dosanjo iam ganhando prestígio nas rodas de conversas entre os vizinhos. Eram quatro rapazes de futuro, se dizia. Pobres, mas trabalhadores e “progressistas”. Um ano mais um ano menos, as chuvas ajudavam na boa colheita. Em casa já não faltavam o feijão, o milho, a batata, o arroz. E no terreiro já não era mais tão raro encontrar-se um capão gordo, o carneiro ou o cochino de chiqueiro para dar mais agrado ao paladar. Umas cabeças de gado despontavam e cresciam no curral. Até o algodão já podíamos guardar de um ano para outro, e vender por melhor preço.

 

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