O INSPETOR
CATURRA
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim
contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 54 a 55
Hoje o Umari é uma cidade. Naqueles tempos era
apenas uma vila. A pequena loja de Rai- mundo Dias era de ta- manho suficiente para
ne- la eu fazer um bom cur- so sem mestre na arte de vender e nas técnicas de
gerência. Nos quase cinco anos em que permaneci à frente daquele comércio, tive
que responder não somente pelas vendas, mas também pelos serviços de
contabilidade, incluindo o recolhimento de impostos, o de Vendas e
Consignações, pago à base de um percentual sobre o faturamento da casa. Todo
esse trabalho era feito à mão e o fechamento da escrita, obviamente, era uma
espécie de "conta de chegar", pois a firma não tinha escrita
ordenada.
Sozinho, com tamanha responsabilidade sobre os
ombros, eu insistia junto a meu patrão que me visitasse com frequência e
verificasse como andavam os seus interesses no Umari. Raimundo Dias se dava por
satisfeito com apenas a visita anual para o balanço. Graças a Deus, a filial
prosperava e aos poucos eu via caírem os "segredos" ou as
peculiaridades da vida de comércio. Ganhando traquejo, crescia-me a
autoconfiança e o desejo de progredir.
0 meu teste de resistência deu-se no final do ano de
1944, quando tive de enfrentar uma fera chamada Verimundo, o no- vo coletor de
impostos do Bai- xio. Quinzenalmente, eu tinha que ir a cavalo à sede do
município, para quitar-me com as obrigações fiscais, e desde logo conheci a
fama daquele inspetor do Erário, notório como o "terror da região",
por isso rebatizado como Viramundo. A perseguição que se levantou contra os
pobres bodegueiros sem inscrição comercial, principalmente os da zona rural,
faziam-me estremecer quando, fechando os olhos, eu me imaginava enfrentando o
monstro, tendo talvez de alimentá-lo com dinheiro que não era meu.
Vou fazer o que sempre fiz - decidi afinal. - Se
estiver errado, pagarei caro mas terei um professor que me ensine uma vez por
todas o que tenho de aprender.
Chegado o prazo para a entrega do balanço, fiz o
fechamento da escrita, juntei os livros e segui para ser sacrificado.
Aqui estão os documentos da filial de Raimundo Dias
no Umari.
0 homem, sentado como estava, mal levantou a vista,
olhando-me por entre o rigor das sobrancelhas:
Deixe aí e passe depois.
Passei depois, ainda mais apreensivo. 0 inspetor
caturra olhou toda a documentação, folheou uma vez, duas, virou as páginas dos
livros, teimando em catar picuinhas. Silêncio. Afinal, olhou para mim que, em
pé à sua frente, esperava a sentença de morte:
Quem foi que preparou esses documentos?
Eu mesmo.
Rapaz, em um ano, desde que estou nessa coletoria,
este é o primeiro balanço que recebo sem ter nada a corrigir. As suas contas
estão aprovadas.
Era aquele o meu exame de admissão à vida de
comerciante.
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