ROLIM & GONDIM
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim
contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 56 a 58
Olha aí a Guerra!
A Guerra é um bicho que bota pólvora pelas fuças, de
ronco e estrondo horroroso, a besta-fera em pessoa, engolindo gente sem
mastigar.
A meninada tremia quando falavam de guerra. As
mulheres desfiavam rezas. Que São Sebastião nos livre da peste, da fome e da
guerra.
Mas - sorte nossa! - a Guerra acontecia no outro
lado do mundo. Para nós, quando muito, ela vinha associada a uma onda de gripe
ou uma epidemia de febre inexplicável:
Isso é a fumaça da Guerra.
Vivendo naqueles cafundós, quase nulo é o meu
depoimento sobre o fim da segunda conflagração mundial, bem como sobre a
deposição de Getúlio Vargas. Lembro da disputa eleitoral entre o General Eurico
Gaspar Dutra e o Brigadeiro Eduardo Gomes, também figuras distantes para nós,
que eram traduzidas pela força e influência de coronéis que, afinal, apenas se
utilizavam dos títulos eleitorais dos pobres habitantes da região para jogarem
nas umas, algumas já previamente viciadas, as cédulas impressas com os nomes
que sua vontade impusesse.
Foi então que votei pela primeira vez: em Eduardo
Gomes... Quer dizer, no coronel José Maria Ribeiro, opositor do coronel José
Leite Ribeiro, partidário do candidato oficial.
De Dutra, já presidente, cedo se fixou entre nós a
efígie gravada na moeda de 50 centavos, ou 500 réis, como ainda continuávamos
dizendo. A cara dura, a cabeça sem pescoço do general nem de longe sugeriam
que, anos depois, eu iria, como administrador da coisa pública, deparar-me com
outros militares de cenho ainda mais carregado e cabeça inflexível.
Daqueles anos, o que me afetou de perto foi a
chamada "Queda Pecuária", no começo do Governo Dutra.
Até 1947, o rebanho de nossa região merecia as
melhores atenções governamentais, com linhas de crédito oficial para o seu
fomento. Ser dono de gado era ter a certeza da conversão em dinheiro, a
qualquer momento, de um patrimônio já prestigioso. Quando esse negócio estava
no auge, Raimundo Dias me procurou para oferecer-me a loja em venda. Eu lhe
respondi que a proposta era um grande estímulo para um rapaz que, na verdade,
pretendia ensaiar no futuro os seus próprios passos na vida do comércio. Apenas
me faltava ainda o capital para corresponder-lhe à oferta.
- Gado, Chico.
Eu tinha no Melão, no curral da família, e numa
rocinha do Umari, um gadinho pouco, trinta reses magras, número insuficiente
para trocar por uma loja de tecidos.
- Arranje um sócio com algum dinheiro, Chico.
Veio-me à lembrança procurar o meu amigo
Renato Gondim, grande proprietário local. Ele se
mostrou interessado pelo negócio, mas não dispunha de dinheiro à mão para
aceitar a sociedade.
Mas fique tranquilo, nós vamos falar com Lucas
Daniel e eu lhe tomarei dinheiro emprestado. Depois eu pago a ele em algodão.
Lucas Daniel, uma das pessoas de maior lastro
financeiro, prontificou-se a arranjar o capital que precisávamos. Vendi, então,
por quinze mil cruzeiros, ou quinze contos, todas as cabeças de gado que tinha
e tratamos de formar a sociedade Francisco Rolim & Gondim.
Nesse ponto, deu-se o fechamento de todo o crédito
pecuário pelo Governo Federal. A "Queda Pecuária" veio desfazer de supetão
o melhor de nossos planos. Lucas Daniel nos informou ser impossível cumprir o
que prometera, pois o que tinha de disponível encontrava-se em mãos do
industrial Francisco Antunes, em Antenor Navarro, o qual, por sua vez, alegava
não poder pagar-lhe uma grande partida de algodão, pela retração do crédito
bancário.
Vi-me obrigado a bater à porta de pessoas amigas
para socorrer o meu sócio Renato Gondim. 0 meu cunhado Antônio Bigi me
emprestou dez contos e outro tanto tomamos por empréstimo ao coronel José Maria
Ribeiro.
Com isso, fizemos o pagamento da loja ao velho
Raimundo Dias e iniciamos as nossas atividades.
Para adquirir a recém lançada 3ª edição envie um e-mail para claudiomar.rolim@uol.com.br
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