segunda-feira, 10 de junho de 2013

29 - UM BANDIDO NA PRAÇA, Do livro Do Miolo do Sertão. A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

UM BANDIDO NA PRAÇA
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 64 a 66


Apesar da distância que me separava da família e da dificuldade em me ausentar de minhas obrigações no Umari, eu tia todos os meses ao Melão. A viagem era feita nos fins de semana, a cavalo. Saía no sábado pela seis da tarde, chegando ao destino cedo da madrugada. A volta, no domingo, era no mesmo horário, percorrendo eu invariavelmente, mais de sete léguas à luz da lua ou na escuridão da noite.
Nunca fui metido a bravatas, mas também nunca o medo ou a intimidação tolheram os meus passos ou cercearam a minha iniciativa.
Porém, quando voltei ao Umari naquela manhãzinha de 16  de janeiro de 1948, nunca uma idéia se imprimiu tão clara em minha mente e tão firme em minha decisão:
- É profundamente lamentável, mas eu não posso mais ficar aqui neste lugar.
O que aconteceu?
Quinze anos haviam se passado do acontecimento fatídico já rememorado nessa crônica (quer relembrar? Clique no link). Como se fosse um dia igual a todos na mais ordeira vilazinha cearense, desmontei, guardei os arreios, dei a gorjeta ao moleque que ia tratar o cavalo. Ansioso pelas novidades, mal tomei o café matinal, saí apressado para a loja, que já estava aberta. Renato Gondim me esperando:
- Você foi procurado neste final de semana por uma figura muito estranha.
- Onde?
- Aqui na loja. Ele esteve sentado por mais de duas horas aí nesse banco onde você está. Isso, a primeira vez. Depois teve outras.
- Qual era o nome dele?
- Ele disse, mas não me lembro agora.
- Como era ele?
- Um sujeito mal-encarado, moreno, e magro, um tanto recurvado nos ombros, bigode mal trabalhado, cabelo encaracolado, aí pelos quarenta, talvez mais. Alisava o tempo todo o cabo de um punhal e caculo nos quartos ainda mostrava que ele carregava uma arma de fogo na cintura.
Parei penado. Pensei quem poderia ser?
- Ele não disse o que queria, não?
- Não. Mas acho que não precisava. O jeito de quem vinha provocar uma desordem. Ele fez questão de sentar-se e esperar, mesmo a gente tendo dito que você estava viajando e ia demorar. E, quando foi-se embora, disse pra gente que iria voltar, não tardaria.
Eu insistir que o meu amigo lembrasse o nome daquele sujeito.
- Rapaz, deix’eu ver. Não-sei-o-quê-não-sei-o-quê-Ribeiro.
Tão longe tinha ficado os fatos, que não consegui atinar com a sugestão da charada.
- Você não consegue lembrar o primeiro nome?
- Olhe, o que ele mais fez aqui foi medo. E com medo o eu a gente mais faz é esquecer as coisas. Mas, espere: João, João Ribeiro dos Santos.
Era João dos Santos, o assassino de Zé Matias. Não satisfeito de ter sido pago para matar à traição um amigo – o meu irmão José Matias Duarte – ele procurava, passados tantos dias tão dolorosos, atingir outra vez um membro da família Matias Rolim e, como antes, aquele que ia se destacando para elevar o nome e as condições de vida dos que foram precipitados numa longa noite de infortúnios.
- Você ano pode imaginar quem é esse bandido, Renato.
Resumi a história para o meu sócio. Ao final ele parecia mais emocionado  do que eu:
- Acho que está muito claro o que ele quer de você. Prepare-se.
- Eu poderia fazer isso, se fosse só no mundo. Mas tenho outras pessoas em quem pensar, e é também por elas que trabalho. Tomando esse caminho, as coisas não acabariam nunca.
Sabendo da contrariedade que estava causando ao meu amigo, dominado eu mesmo por uma onda avassaladora de emoção, que me devolvia aos meus onze anos na casa do meu avô em Cajazeiras, ali no mesmo instante participei a Renato Gondim minha decisão. Acertamos a maneira de ele e seu irmão me pagarem o meu capital da firma e, com trinta contos de réis e muito maior a saudade, eu deixei aquele lugarejo ainda hoje tão grato para a minha recordação e tão vivo em minha saudade.

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