CAJAZEIRAS
DO PADRE ROLIM (1)
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião
Moreira Duarte
pags. 64 a 66
- Compadre
Chico!
A voz vinha de
dentro do corredor, a pressa dos passos marcando o chão de tijolos lisos.
- Compadre Chico!
Por cima das
quatro paredes do banheiro ao ar livre, no quintal da velha pensão em que me
hospedava, conheci o vulto do meu cunhado Chagas Gouveia.
- Compadre,
vim lhe dizer uma coisa. Se apresse, que o negócio é sério.
O que poderia
ser? Minha irmã Stela já havia descansado do primeiro filho. Se algo de mal lhe
tiveste acontecido, não seria certamente o marido que viria me trazer a
notícia. O meu “povo” do Melão eu tinha visitado havia menos de um mês, e todos
estavam bem.
Mas Chagas não
desmontava a cara de alarme. Atirei as últimas lapadas d’água no corpo e saí
pra me entender com o cunhado:
- O que houve,
compadre?
- O que houve
foi que Valdemar desfez o noivado de repente e está lá feito doido. O pessoal
tá pedindo pra você dar um pulinho no Melão.
Mandei selar o
animal enquanto me aprontava às pressas. Era por volta da seis da tarde. Sem
demora viajamos e, como sempre, por volta da meia noite estávamos em casa. De
pronto percebi que o meu cunhado tinha exagerado no relato. Em todo caso,
convidei meu irmão a voltar comigo para o Umari, de onde depois sairíamos a um
passeio pelas cidades próximas da Paraíba. Mas não revelei logo os planos.
Preferi tirar a limpo a conversa Chaga do Melão sobre Valdemar:
- Que conversa
é essa que você acabou o casamento e está doido?
- Olha, acabar
o casamento é uma questão pessoal. Quero guardar comigo as últimas razões. Para
faltar a verdade, eu fiz foi inventar que estou doido, e é pra casar que estou
doido.
- se é assim,
por que desfez o noivado?
- Por isso
mesmo. Estou doido pra casar e estou doido para sair do Melão. E vejo cada vez
mais claro que uma coisa não dá certo com a outra. Se eu casar, nunca mais vou
poder deixar isso aqui, que, de fato, não tem grande futuro. Aqui ano dá pra
crescer na vida.
Então eu vi o
quanto tinham sido iluminados os passos de Chagas Gouveia, ao me levar aquele
notícia alarmante, numa encruzilhada definitiva da minha vida, e com faria
sentido o plano de “férias” que tiraríamos entre Cajazeiras, Antenor Navarro,
Belém (depois Canaã e, atualmente, Uiraúna) e Triunfo.
- Se o
problema é esse, Valdemar, você pode ficar tranqüilo, que está resolvido. Eu
pensava, há mais tempo, em chamá-lo a entrar comigo no comércio, mas me sentia
sem capital suficiente para enfrentarmos o negócio. Agora, já posso lhe dizer
que estou pronto para lhe fazer o convite.
Atento ao meu
despacho providencial, meu irmão tratou de encontrar outra noiva. Para a maior
surpresa – ou para confiar que “casamento e mortalha no céu se talha” – poucos
dias depois estava ele de casamento marcado com uma jovem chamada Maria Augusta
de Sousa, também de noivado recém-encerrado, e cujo ex-noivo – Zé de Nezinho,
primo dela – logo se casaria, por sua vez, com a ex-preferida de Valdemar.
A festa deu a
9 de janeiro de 1948, com desdobramentos estrondosos entre Umari, o Melão e o
Sítio Arara, na Paraíba, de onde a jovem era proveniente, filha de um cidadão
sempre meticuloso e alinhado, Augusto Bernardino de Sousa, tão moço ainda e com
todos os fios de cabelo como capuchos de algodão. Conheci-o pela primeira vez
numa ocasião em Ipaumirim, quando curioso, indaguei sobre aquele homem de alva
cabeleireira brilhando ao sol, causando inveja por montar o ginete mais bem
equipado entre os presentes. Não podia então imaginar que as nossas vidas se
cruzariam e me entrelaçariam depois, com liames indestrutíveis.
Para o sítio
de seu Augusto acorreram os convidados, familiares e amigos dos noivos. Como
testemunha do feito, tratei de fretar o transporte coletivo mais avançado do
que se podia dispor àqueles tempos. Fui a Ipaumirim e lá contratei os serviços
de Zé Saraiva – ou Zé de Péu, como era alcunhado – dono do único caminhão
existente na cidade. O trabalhar de Zé de Péu iria ser o de transportar o
pessoal do Umari, passando pelo Melão, entrando em Ipaumirim e, apanhando todos
os passageiros que quisessem assistir o casamento em Cajazeiras, prolongando-se
o percurso até a Arara, para o grande baile a cargo do afamado sanfoneiro Pedro
Bernardinho.
Foi uma festa
de arromba, as núpcias da primeira filha do seu Augusto. Primeiro na Arara e
depois no Melão, nunca antes se teve notícia de tanta gente reunida, disputando
o privilégio de andar em carroceria do caminhão.
Para os meus
amigos do Umari – os irmãos Gondim, Zeca Ferreira, Leonísio Granjeiro, sobretudo
– aquele iria ser um encontro de despedidas, e eles se desvelaram em tiradas de
humor e animação, para marcar antecipadamente a saudade do momento que viria,
com imensa dor para mim – dor física, material e acachapante, dor de esmagar o peito
– o meu adeus de Umari, para sempre.
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