segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

32 - A MOÇA MAIS BONITA, Do livro Do Miolo do Sertão. A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

A MOÇA MAIS BONITA
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

pag. 89 a 91


Quando eu vi esta moça no casamento de Valdemar, no Melão, procurei dentro de mim onde já nos havíamos encontrado. Uma voz interior me falava que nós já nos tínhamos nos avistado antes, em algum lugar. E, sim, foi no Umari, no balcão da loja do Umari, que os nossos olhos se cruzaram pela primeira vez. Não sei por que ela visitava a vilazinha, nem posso dizer se foi aquele o olhar da primeira sedução. Uma coisa, porém, se ligou de logo à outra. No entra-e-sai dos afazeres preparatórios para a celebração nupcial e para os comes-e-bebes da festa a seguir, eu me censurava  por não identificar, à primeira vista, quem era aquela moça, bonita como quê!, a me cativar a atenção. E por que ela estava ali, na casa de minha mãe, íntima da família? Ah. Era irmã da minha noiva, a minha cunhada. Mas eu creio que, também nessa segunda vez, não tivemos temo um para o outro, o que é de lamentar.
Eis-me agora em Cajazeiras, em casa do meu irmão, morando com minha cunhada. Deus, que sempre faz as coisas certas e, afinal, é quem determina o roteiro da nossa de nossa existência pelo mundo, coloca-me de novo diante da moça. Com freqüência estamos os dois na mesma casa, ela visitando a irmão, eu hospedado com o meu irmão. Sentamo-nos os dois à mesma mesa e, desta vez, trocamos olhares que se encontram e se entendem. Chico e Teresa são que se pronunciam cada vez mais juntos. Teresa Augusta irá se chamar Tereza Augusta Rolim. O enxoval vai se aprontando. O velho Augusto Bernardino, que, além de meu sogro, vai se tornar um grande amigo e colaborador, também se esmera o quanto pode para conferir ao evento o toque da solenidade mais inesquecível. Mais uma vez o sítio Arara se movimenta para uma festa de se guardar na memória. Augusto Bernardino não deixa por menos. Na catedral da diocese de Cajazeiras, o Padre Linhares nos une pelo sagrado vínculo do matrimônio até que a morte nos separe. É o dia 31 de dezembro de 1950, assim escolhido também para nos abrir  para a mínima lua de mel, pois, a mim, já me esperavam tarefas inadiáveis do comércio e, à minha Teresa, a luta doméstica na casa nova que adquiri à Rua Siqueira Campos, também ela pintada na mais vida cor de tijolo queimado.
Última foto de mamãe com toda a família (1988). Em pé:
à esquerda a filha caçula Anacélia, no meio: a mais velha:
Anacleide e à direita: eu. Sentado: papai.

Muita coisa ou quase tudo desde então devo a Teresa, minha mulher, sustentáculo nas decisões mais duras e bálsamo para as dores e feridas inafastáveis. Sobretudo, devo a alegria de nonimar os filhos Anacleide, Claudiomar e Anacélia, que hoje vão premiando a nossa união com a presença sorridente dos netos. Ao lado deles, já celebramos as nossas bodas de prata matrimoniais e nos preparamos para fechar a casa dos quarenta anos de enlace matrimoniais e nos preparamos para fechar a casa dos quarentas anos de enlace amoroso, perante Deus e os homens. Os nossos retratos jovens na parede, gravados pelas mão mágica de Nogueira – esse mestre da arte fotográfica de que se orgulha a Cajazeiras de tantos mestres – continuam um diante do outro, em eterna atitude de namoro, confirmando que é assim a nossa vida e que a mim me coube a melhor parte dos Bernardino, a moça mais bonita, a amiga mais generosa, a irmã, a filha, a mãe mais dedicada.
Essas memórias são o que são porque, privilegiado, eu tenho Teresa Augusta Rolim a meu lado, segurando-me a mão, que Deus nos abençoe.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Visita a Chico Rolim, fiquei encantada com este homem!

       por Nadja Claudino - nadjaclaudino@yahoo.com.br
     Há livros que quando abertos não são apenas instrumentos de conhecimento, mas tornam-se instrumentos de sonhos e de grandes des-cobertas. 
   Um dia um desses livros caiu em meu poder: “Do miolo do sertão” era o título, o subtítulo dizia que era a história de Chico Rolim, ex-prefeito de Caja-zeiras. Peguei o livro e jul-guei antes de abrir, imaginei ser uma história banal de políticos, com obras e nomes disso e daquilo, mas ao abrir a primeira página me deparei com essa frase “os dias de tão bons, eram todos iguais”. Fui então à procura desses dias bons, e descobri um menino órfão e pobre, Francisco Matias Rolim. Quando me dei conta estava lendo a história com emoção, os so-nhos do menino de estudar, de ajudar a família me ca-tivaram. 
Sebastião Moreira Duarte e Chico Rolim
   Por meio da escrita poética de Sebastião Moreira Duarte, as tragédias, as aventu-ras, as anedotas e a determinação de Francisco me fizeram perceber que estava diante de um homem e de um livro extraor- dinários. Depois de algum tempo, quando estava pagando a disciplina de História da Paraíba, no curso de História do CFP, a professora Viviane Ceballos nos pediu que grupos fossem formados para a produção de documentários que serviriam como trabalho para a terceira nota. Me reuni com a amiga Gerlândia Gouveia e depois de pensarmos em diversos temas me lembrei de Chico Rolim, minha amiga topou e nós saímos tal como Glauber Rocha: “com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” a procura de nossa história. 
    
        Fizemos o contato com Chico Rolim, que nos recebeu em seu quarto, confortavelmente sentado em sua cama, pronto a responder as nossas perguntas. A simpatia desse homem não conhece limites, per-cebendo que estávamos um pouco nervosas, ele logo quebrou o gelo; necessitando de um lenço, olhou para mim e disse: “pegue aí no guarda roupa minha filha”, depois disso nos sentimos à vontade e a conversa fluiu durante uma manhã inteira. Falamos sobre sua vida de homem público e dos acontecimentos políticos no âmbito es-tadual e nacional que influenciaram seu governo. Re-lembrou Getúlio Vargas, o golpe militar de 1964 e nos surpreendeu ao lembrar as fortes palavras de Brizola em defesa de João Goulart. Nesse momento empostou a voz e disse que ouviu Brizola falar à meia noite, na Rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro, a seguinte frase “Não darei o primeiro tiro, darei o segundo e até o último”. 
    Grande memória e lucidez. A conversa versou sobre tudo, sua vida comercial no Maranhão, as tragédias familiares, seu ingresso na política, as realizações, a modernização que trouxe a ci-dade de Cajazeiras eram relem-bradas por ele com um brilho no olhar, uma força na voz; a felicidade de compartilhar sua história estava estampada em seu rosto. Vendo esse homem de perto e conversando com ele percebi que Chico Rolim é daquele tipo de pessoa que realiza e que viveu em um tempo em que tudo precisava ser feito, por isso fundou escolas, comprou o terreno onde se localiza a UFCG, pavimentou ruas e lutou pelo engrandecimento da cidade que o tinha acolhido. Para minha surpresa me confidenciou que ainda hoje gosta de andar olhando as obras realizadas pela Prefeitura, mostrando assim a preocupação com o trabalho que começou, desejando sempre melhorias para a população de Cajazeiras. 
     Ao final da entrevista, eu e Gerlândia saímos felizes da casa de Chico Rolim, nossa ideia tinha dado certo, na câmera estava registrado o material bruto do nosso documentário, que contou também com entrevistas realizadas com o professor Rubimar Marques Galvão e com o comerciante Djalma Alves. Corremos para editar o vídeo e escolhemos como trilha sonora uma música de Belchior que diz: “eu era alegre, como um rio, um bicho, um bando de pardais, como um galo, quando havia, quando havia galos, noites e quintais...”, pois entendemos que Chico Rolim, com mais de noventa anos, lúcido e apaixonado por sua vida, sabe enfrentar as adversidades com alegria e escreve com trabalho e honestidade sua própria história. 

Nadja Claudino – contista, cronista e membro do conselho editorial da Revista Acauã. Aluna do Curso de História da UFCG/Cajazeiras.






sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Visita a Chico Rolim

por Nadja Claudino - nadjaclaudino@yahoo.com.br
Há livros que quando abertos não são apenas instrumentos de conhecimento, mas tornam-se instrumentos de sonhos e de grandes descobertas. 
   Um dia um desses livros caiu em meu poder: “Do miolo do sertão” era o título, o subtítulo dizia que era a história de Chico Rolim, ex-prefeito de Cajazeiras. Peguei o livro e julguei antes de abrir, imaginei ser uma história banal de políticos, com obras e nomes disso e daquilo, mas ao abrir a primeira página me deparei com essa frase “os dias de tão bons, eram todos iguais”. Fui então à procura desses dias bons, e descobri um menino órfão e pobre, Francisco Matias Rolim. Quando me dei conta estava lendo a história com emoção, os sonhos do menino de estudar, de ajudar a família me cativaram. 
Sebastião Moreira Duarte e Chico Rolim
   Por meio da escrita poética de Sebastião Moreira Duarte, as tragédias, as aventuras, as a- nedotas e a de- terminação de Francisco me fizeram perce- ber que estava diante de um homem e de um livro extraor- dinários. Depois de algum tempo, quando estava pagando a disciplina de História da Paraíba, no curso de História do CFP, a professora Viviane Ceballos nos pediu que grupos fossem formados para a produção de documentários que serviriam como trabalho para a terceira nota. Me reuni com a amiga Gerlândia Gouveia e depois de pensarmos em diversos temas me lembrei de Chico Rolim, minha amiga topou e nós saímos tal como Glauber Rocha: “com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” a procura de nossa história. 
   
        Fizemos o contato com Chico Rolim, que nos recebeu em seu quarto, confortavelmente sentado em sua cama, pronto a responder as nossas perguntas. A simpatia desse homem não conhece limites, percebendo que estávamos um pouco nervosas, ele logo quebrou o gelo; necessitando de um lenço, olhou pra mim e disse: “pegue aí no guarda roupa minha filha”, depois disso nos sentimos à vontade e a conversa fluiu durante uma manhã inteira. Falamos sobre sua vida de homem público e dos acontecimentos políticos no âmbito estadual e nacional que influenciaram seu governo. Relembrou Getúlio Vargas, o golpe militar de 1964 e nos surpreendeu ao lembrar as fortes palavras de Brizola em defesa de João Goulart. Nesse momento empostou a voz e disse que ouviu Brizola falar à meia noite, na Rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro, a seguinte frase “ Não darei o primeiro tiro, darei o segundo e até o último”. 
    Grande memória e lucidez. A conversa versou sobre tudo, sua vida comercial no Maranhão, as tragédias fa- miliares, seu ingresso na política, as realizações, a modernização que trouxe a cidade de Cajazeiras eram relembradas por ele com um brilho no olhar, uma força na voz; a felicidade de compartilhar sua história estava estampada em seu rosto. Vendo esse homem de perto e conversando com ele percebi que Chico Rolim é daquele tipo de pessoa que realiza e que viveu em um tempo em que tudo precisava ser feito, por isso fundou escolas, comprou o terreno onde se localiza a UFCG, pavimentou ruas e lutou pelo engrandecimento da cidade que o tinha acolhido. Para minha surpresa me confidenciou que ainda hoje gosta de andar olhando as obras realizadas pela Prefeitura, mostrando assim a preocupação com o trabalho que começou, desejando sempre melhorias para a população de Cajazeiras. 
Ao final da entrevista, eu e Gerlândia saímos felizes da casa de Chico Rolim, nossa ideia tinha dado certo, na câmera estava registrado o material bruto do nosso documentário, que contou também com entrevistas realizadas com o professor Rubimar Marques Galvão e com o comerciante Djalma Alves. Corremos para editar o vídeo e escolhemos como trilha sonora uma música de Belchior que diz: “eu era alegre, como um rio, um bicho, um bando de pardais, como um galo, quando havia, quando havia galos, noites e quintais...”, pois entendemos que Chico Rolim, com mais de noventa anos, lúcido e apaixonado por sua vida, sabe enfrentar as adversidades com alegria e escreve com trabalho e honestidade sua própria história.



Nadja Claudino – contista, cronista e membro do conselho editorial da Revista Acauã. Aluna do Curso de História da UFCG/Cajazeiras.


quarta-feira, 10 de julho de 2013

31 - CAJAZEIRAS DO PADRE ROLIM (2), Do livro Do Miolo do Sertão. A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

CAJAZEIRAS DO PADRE ROLIM (2)
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

pags. 64 a 66
     Cajazeiras do Rio do Peixe, Cajazeiras do Padre Rolim. Ser portador desse sobrenome é uma alta distinção de que muito se or-gulham os cajazeirenses, e por muitas razões. Em primeiro plano, a nobreza de origem: os lares sagrados do Comandante Vital de Sousa Rolim e Ana Albuquerque – a veneranda Mãe Aninha – ao lado do brasão do apóstolo e educador que foi o Padre Inácio de Sousa Rolim, Anchieta dos nossos sertões, de valor e virtudes só comparáveis a esse outro grande missionário que foi, no Ceará, o Padre Ibiapina.
Em segundo lugar, a ime-diata identificação da proce-dência: quem é Rolim, não precisa dizer que é cidadão das Cajazeiras centenárias. E – não menos importante – o nome já indica a herança do patrimônio cultural que exalçou a terra dos Rolim à posição de “cidade que ensinou a Paraíba a ler”, segundo consagração lapidar de Alcides Carneiro. Na verdade, até para além do solo paraibano, o Nordeste mesmo veio assentar-se nos  bancos escolares de Caja-zeiras.
    Aqui estudou Irineu Joffily, pioneiro da imprensa na Paraíba. Por aqui pas-saram gerações e gerações de intelectuais e líderes políticos da Região. A ir-radiação do Colégio Padre Rolim chegou até o Piauí, de onde veio o futuro senador José de Freitas, mais tarde Presidente da Província, e hoje home de cidade naquele território. Do Rio Grande do Norte, também veio ser aluno do Padre Mestre o primeiro cardeal da América Latina, Dom Joaquim Arcoverde. E o próprio Padim Ciço do Juazeiro aqui deixou a marca dos seus primeiros milagres. (No seu livro O Patriarca do Juazeiro, o Padre Azarias Sobreira registra – sem dizer onde encontro prova disso – que o jovem Cícero Romão Batista aqui emplacou as suas primeiras façanhas tauma-túrgicas, fazendo repousar o chapéu nas paredes sem cabides do famoso edu-candário).




sábado, 22 de junho de 2013

30 - CAJAZEIRAS DO PADRE ROLIM (1), Do livro Do Miolo do Sertão. A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

CAJAZEIRAS DO PADRE ROLIM (1)
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

pags. 64 a 66 
- Compadre Chico!
A voz vinha de dentro do corredor, a pressa dos passos marcando o chão de tijolos lisos.
- Compadre Chico!
Por cima das quatro paredes do banheiro ao ar livre, no quintal da velha pensão em que me hospedava, conheci o vulto do meu cunhado Chagas Gouveia.
- Compadre, vim lhe dizer uma coisa. Se apresse, que o negócio é sério.
O que poderia ser? Minha irmã Stela já havia descansado do primeiro filho. Se algo de mal lhe tiveste acontecido, não seria certamente o marido que viria me trazer a notícia. O meu “povo” do Melão eu tinha visitado havia menos de um mês, e todos estavam bem.
Mas Chagas não desmontava a cara de alarme. Atirei as últimas lapadas d’água no corpo e saí pra me entender com o cunhado:
- O que houve, compadre?
- O que houve foi que Valdemar desfez o noivado de repente e está lá feito doido. O pessoal tá pedindo pra você dar um pulinho no Melão.
Mandei selar o animal enquanto me aprontava às pressas. Era por volta da seis da tarde. Sem demora viajamos e, como sempre, por volta da meia noite estávamos em casa. De pronto percebi que o meu cunhado tinha exagerado no relato. Em todo caso, convidei meu irmão a voltar comigo para o Umari, de onde depois sairíamos a um passeio pelas cidades próximas da Paraíba. Mas não revelei logo os planos. Preferi tirar a limpo a conversa Chaga do Melão sobre Valdemar:
- Que conversa é essa que você acabou o casamento e está doido?
- Olha, acabar o casamento é uma questão pessoal. Quero guardar comigo as últimas razões. Para faltar a verdade, eu fiz foi inventar que estou doido, e é pra casar que estou doido.
- se é assim, por que desfez o noivado?
- Por isso mesmo. Estou doido pra casar e estou doido para sair do Melão. E vejo cada vez mais claro que uma coisa não dá certo com a outra. Se eu casar, nunca mais vou poder deixar isso aqui, que, de fato, não tem grande futuro. Aqui ano dá pra crescer na vida.
Então eu vi o quanto tinham sido iluminados os passos de Chagas Gouveia, ao me levar aquele notícia alarmante, numa encruzilhada definitiva da minha vida, e com faria sentido o plano de “férias” que tiraríamos entre Cajazeiras, Antenor Navarro, Belém (depois Canaã e, atualmente, Uiraúna) e Triunfo.
- Se o problema é esse, Valdemar, você pode ficar tranqüilo, que está resolvido. Eu pensava, há mais tempo, em chamá-lo a entrar comigo no comércio, mas me sentia sem capital suficiente para enfrentarmos o negócio. Agora, já posso lhe dizer que estou pronto para lhe fazer o convite.
Atento ao meu despacho providencial, meu irmão tratou de encontrar outra noiva. Para a maior surpresa – ou para confiar que “casamento e mortalha no céu se talha” – poucos dias depois estava ele de casamento marcado com uma jovem chamada Maria Augusta de Sousa, também de noivado recém-encerrado, e cujo ex-noivo – Zé de Nezinho, primo dela – logo se casaria, por sua vez, com a ex-preferida de Valdemar.
A festa deu a 9 de janeiro de 1948, com desdobramentos estrondosos entre Umari, o Melão e o Sítio Arara, na Paraíba, de onde a jovem era proveniente, filha de um cidadão sempre meticuloso e alinhado, Augusto Bernardino de Sousa, tão moço ainda e com todos os fios de cabelo como capuchos de algodão. Conheci-o pela primeira vez numa ocasião em Ipaumirim, quando curioso, indaguei sobre aquele homem de alva cabeleireira brilhando ao sol, causando inveja por montar o ginete mais bem equipado entre os presentes. Não podia então imaginar que as nossas vidas se cruzariam e me entrelaçariam depois, com liames indestrutíveis.
Para o sítio de seu Augusto acorreram os convidados, familiares e amigos dos noivos. Como testemunha do feito, tratei de fretar o transporte coletivo mais avançado do que se podia dispor àqueles tempos. Fui a Ipaumirim e lá contratei os serviços de Zé Saraiva – ou Zé de Péu, como era alcunhado – dono do único caminhão existente na cidade. O trabalhar de Zé de Péu iria ser o de transportar o pessoal do Umari, passando pelo Melão, entrando em Ipaumirim e, apanhando todos os passageiros que quisessem assistir o casamento em Cajazeiras, prolongando-se o percurso até a Arara, para o grande baile a cargo do afamado sanfoneiro Pedro Bernardinho.
Foi uma festa de arromba, as núpcias da primeira filha do seu Augusto. Primeiro na Arara e depois no Melão, nunca antes se teve notícia de tanta gente reunida, disputando o privilégio de andar em carroceria do caminhão.
Para os meus amigos do Umari – os irmãos Gondim, Zeca Ferreira, Leonísio Granjeiro, sobretudo – aquele iria ser um encontro de despedidas, e eles se desvelaram em tiradas de humor e animação, para marcar antecipadamente a saudade do momento que viria, com imensa dor para mim – dor física, material e acachapante, dor de esmagar o peito – o meu adeus de Umari, para sempre.




segunda-feira, 10 de junho de 2013

29 - UM BANDIDO NA PRAÇA, Do livro Do Miolo do Sertão. A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

UM BANDIDO NA PRAÇA
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 64 a 66


Apesar da distância que me separava da família e da dificuldade em me ausentar de minhas obrigações no Umari, eu tia todos os meses ao Melão. A viagem era feita nos fins de semana, a cavalo. Saía no sábado pela seis da tarde, chegando ao destino cedo da madrugada. A volta, no domingo, era no mesmo horário, percorrendo eu invariavelmente, mais de sete léguas à luz da lua ou na escuridão da noite.
Nunca fui metido a bravatas, mas também nunca o medo ou a intimidação tolheram os meus passos ou cercearam a minha iniciativa.
Porém, quando voltei ao Umari naquela manhãzinha de 16  de janeiro de 1948, nunca uma idéia se imprimiu tão clara em minha mente e tão firme em minha decisão:
- É profundamente lamentável, mas eu não posso mais ficar aqui neste lugar.
O que aconteceu?
Quinze anos haviam se passado do acontecimento fatídico já rememorado nessa crônica (quer relembrar? Clique no link). Como se fosse um dia igual a todos na mais ordeira vilazinha cearense, desmontei, guardei os arreios, dei a gorjeta ao moleque que ia tratar o cavalo. Ansioso pelas novidades, mal tomei o café matinal, saí apressado para a loja, que já estava aberta. Renato Gondim me esperando:
- Você foi procurado neste final de semana por uma figura muito estranha.
- Onde?
- Aqui na loja. Ele esteve sentado por mais de duas horas aí nesse banco onde você está. Isso, a primeira vez. Depois teve outras.
- Qual era o nome dele?
- Ele disse, mas não me lembro agora.
- Como era ele?
- Um sujeito mal-encarado, moreno, e magro, um tanto recurvado nos ombros, bigode mal trabalhado, cabelo encaracolado, aí pelos quarenta, talvez mais. Alisava o tempo todo o cabo de um punhal e caculo nos quartos ainda mostrava que ele carregava uma arma de fogo na cintura.
Parei penado. Pensei quem poderia ser?
- Ele não disse o que queria, não?
- Não. Mas acho que não precisava. O jeito de quem vinha provocar uma desordem. Ele fez questão de sentar-se e esperar, mesmo a gente tendo dito que você estava viajando e ia demorar. E, quando foi-se embora, disse pra gente que iria voltar, não tardaria.
Eu insistir que o meu amigo lembrasse o nome daquele sujeito.
- Rapaz, deix’eu ver. Não-sei-o-quê-não-sei-o-quê-Ribeiro.
Tão longe tinha ficado os fatos, que não consegui atinar com a sugestão da charada.
- Você não consegue lembrar o primeiro nome?
- Olhe, o que ele mais fez aqui foi medo. E com medo o eu a gente mais faz é esquecer as coisas. Mas, espere: João, João Ribeiro dos Santos.
Era João dos Santos, o assassino de Zé Matias. Não satisfeito de ter sido pago para matar à traição um amigo – o meu irmão José Matias Duarte – ele procurava, passados tantos dias tão dolorosos, atingir outra vez um membro da família Matias Rolim e, como antes, aquele que ia se destacando para elevar o nome e as condições de vida dos que foram precipitados numa longa noite de infortúnios.
- Você ano pode imaginar quem é esse bandido, Renato.
Resumi a história para o meu sócio. Ao final ele parecia mais emocionado  do que eu:
- Acho que está muito claro o que ele quer de você. Prepare-se.
- Eu poderia fazer isso, se fosse só no mundo. Mas tenho outras pessoas em quem pensar, e é também por elas que trabalho. Tomando esse caminho, as coisas não acabariam nunca.
Sabendo da contrariedade que estava causando ao meu amigo, dominado eu mesmo por uma onda avassaladora de emoção, que me devolvia aos meus onze anos na casa do meu avô em Cajazeiras, ali no mesmo instante participei a Renato Gondim minha decisão. Acertamos a maneira de ele e seu irmão me pagarem o meu capital da firma e, com trinta contos de réis e muito maior a saudade, eu deixei aquele lugarejo ainda hoje tão grato para a minha recordação e tão vivo em minha saudade.

sábado, 25 de maio de 2013

28 A ORELHA DO RAPAZ, Do livro Do Miolo do Sertão. A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte


A ORELHA DO RAPAZ
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pag. 63
Logo quando cheguei ao Umari, gerente da loja de tecidos que aí se instalava, dei-me ao luxo de procurar uma namorada que bem correspondesse ao padrão representado pelo nível do emprego.
A escolhida? Ora, ninguém menos que a filha adotiva do coronel José Leite, chefe político vitorioso da localidade. Era fácil ver que a moça era um bom partido.
Mas... certa noite estávamos os dois a palestrar ao lado do coronel e sua esposa, que discretamente nos inspeccionavam, quando uns capangas riscaram o terreiro com os cascos dos cavalos:
Pronto, coronel.
Tragam-me a orelha do cabra. Seja como for, eu quero a orelha dele.


Para adquirir a recém lançada 3ª edição envie um e-mail para claudiomar.rolim@uol.com.br

sábado, 20 de abril de 2013

27 NOITE ALTA, CÉU RISONHO


NOITE ALTA, CÉU RISONHO
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 61a 63


Mas, acima de tudo, era nas noites de serestas que mais nós quebrávamos a monotonia da vida em nossa vila esquecida. Uma vez por mês, pelo menos, conforme combinado, nós nos juntávamos em frente à mercearia de Majestoso Gondim e saíamos noite a dentro a cantar. Era um grupo afinado na voz e no sentimento. Renato Gondim e seu irmão Santino puxavam pelas cordas dos violões. Zeca Ferreira, Leonísio, filho do Delegado Zé Granjeiro, e eu acompanhávamos em respeitoso silêncio ou em solos dos mais inspirados. A melhor voz era a de Majestoso Gondim, abrindo-se em barítono à porta de uma das nossas namoradas, embriagada de êxtase:
O luar cai sobre a mala Qual uma chuva de prata De raríssimo esplendor.
Só tu dormes, não escutas o teu cantor.
Tínhamos por princípio não ingerir um único txugo de bebida alcoólica. Lembro que uma vez, como os tocadores se atrasassem em seu compromisso para além do tempo previsto - de meia noite a uma hora da manhã - Zeca Ferreira e Leonísio me desafiaram para ver quem bebia uma garrafa de Madeira de Lei sem titubear. Era uma provocação à nossa inexperiência etílica. Para descartá-la propus:
Tudo bem. Aceito entrar na brincadeira, com uma condição: abrimos a garrafa e a dividimos em três copos cheios. Cada um de nós se obrigará a tomar a cachaça de uma só vez e sem cuspir no fim.
Para meu desapontamento, os meus colegas aceitaram o desafio. Em vez de uma garrafa, tomamos três, repetidamente. Tudo parecia uma patuscada inocente, menos para Zeca Ferreira que quase perdeu as tripas ao desfazer-se do álcool mal-amigo.
Comportadíssimos na serenata, nós nos permitíamos de vez em quando sair do sério, quando elas terminavam. Tendo encontrado certa vez, na mercearia de Majestoso, uns molhos de palha de carnaúba para fazer cangalha, nós resolvemos esticar a noite numa presepada de causar inveja ao melhor truão de picadeiro. Cobrimo-nos com essas palhas, amarrando-as com barbante, encobrindo o corpo todo, da cabeça aos pés. Com voz de assombração, saímos em bando, "rezando" num vozerio soturno no rumo do cemitério. A vilazinha do Umari era tão tranquila àqueles tempos, que um de seus habitantes, tendo se deitado na própria calçada para aproveitar o fresco da noite, aí adormeceu, deixando a casa aberta. Quando acordou em pleno sono com o barulho daquelas "almas do outro mundo", correu como um tresloucado a fechar portas e janelas. Indo e vindo em torno do cemitério, nós continuamos a "reza". Na manhã do dia seguinte, não foi surpresa ver o coitado ir procurar o coronel José Leite Ribeiro para contar-lhe o ocorrido. Quatro soldados apareceram na semana seguinte para patrulhar a noite do Umari. Só agora saberão que aquilo não passava de uma pândega de rapazes se divertindo noite a dentro numa rua deserta.


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