sábado, 11 de junho de 2011

18 OUTRA ESCOLA, O BALCÃO A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

OUTRA ESCOLA, O BALCÃO
Do livro Do Miolo do Sertão, pags. 44 a 48.
Em 1941, na última semana do mês de junho, encontrava-me eu com o meu cunhado Ciço Moreira na cidade de Ipaumirim, acertando as contas da venda do nosso algodão com o senhor Maximiamo Lustosa, dono de um armazém de secos e molhados, comprador de peles e gêneros da região, conhecido mais pela alcunha de Senhor De Piano.
- Quê que o senhor é de Seu Piano, comerciante em Cajazeiras?
- Sou filho dele. Você conhece meu pai?
- Conheço, sim, desde quando fui morar em Cajazeiras, há bem dez anos. Na seca de 32, Seu Piano tinha um fornecimento na Rua de Santo Antonio, bem perto da casa de meus avós.
- E você já morou em Cajazeiras?
- Já, sim, senhor, duas vezes.
- Me admira como você voltou a morar e se acostumar de novo no mato, rapaz.
Expliquei-lhe que não tinha outra saída.
- E você teve escola por lá?
- Sim, e antes também, no Melão.
- Quer dizer, então, que sabe ler, escrever e conhece as quatros operações de conta?
- Conheço, sem embaraço.
- Me diga uma coisa, você não tem vontade de trabalhar no comércio?
- Tenho, sim.
- Quer trabalhar aqui nesta mercearia comigo?
- Se o senhor me aceitar, eu quero.
- Quando você pode vir?
- Se o senhor quiser, eu posso ficar logo aqui. Meu cunhado volta sozinho e avisa a minha mãe pra ela me mandar as minhas coisas depois, por um portador.
- Não, não tem tanta pressa assim. Você pode voltar pra casa e acertar com a sua mãe tudo direitinho, depois volta aqui.
Foi quando me lembrei de lhe dizer que, se precisasse de informação a meu respeito, eu poderia lhe indicar alguns nomes em Cajazeiras.
- Você não é filho do falecido Mestre Matias?
- Sou, sim, senhor.
- Para mim já basta. O seu pai teve muitos negócios com o meu pai, todos eles tirados dentro do mais elevado padrão de honestidade. Eu não precisaria exigir nenhuma outra melhor qualificação de um empregado meu.
Baixei os olhos com humildade. Era aquele um dos momentos incisivos no traço de minha vida. E, sem mais, ali presente, diante de mim que a agasalhava muito imperfeita ou quase apagada na meória, a silhueta do meu pai, me segurando pela mão, avalizando-me, só com o seu nome, os primeiros passos no pórtico de um mundo desconhecido:
- Procede Sempre como um homem de bem, meu filho.
O convite e o crédito de confiança do Senhor de Piano me deixaram tão fora de mim, que nem procurei saber em que condições salariais haveria de trabalhar com ele. No começo do mês seguinte, exatamente a 5 de julho, eu era o mais novo balconista de Ipaumirim, remunerado a 50 mil réis por mês, com direito à bóia na casa do patrão.
O entusiasmo do Senhor De Piano parecia correr de porfia com o meu. Logo na primeira semana, ele viajou a Campina Grande para reabastecer o empório. Eu fiquei tomando conta de todos os negócios.
As coisas progrediam. Com pouco tempo era ampliado o comércio com a instalação de um bar-lanchonete, que passou à minha exclusiva responsabilidade.
Mas o Diabo, que não tolera por muito tempo ver trabalhar em paz os filhos de Deus, Meteu-se a encher de sobras os dias felizes do comerciante de Ipaumirim e seu caixeiro noviço. Foi por artes do Capiroto – ninguém duvide! – que inexplicavelmente, naquele mesmo ano começou a surgir uma série de desavenças entre o meu patrão e a esposa. O desentendimento desgostou-o a tal ponto, que, antes do final do ano, ele resolveu desfazer-se de todos os seus negócios em Ipaumirim e mudar-se para Cajazeiras.
O bar em que eu trabalhava foi passado a Chico Olívio, um dos mais conhecidos negociantes de estiva da praça. Mas o comprador pediu-me que eu permanecesse a seu serviço por um mês, até que o seu sobrinho aprendesse o necessário para levar à frente, sozinho, as vendas. Ali estava, ali fiquei. Ao cabo de quinze dias, o velho me chamou:
- Se eu conhecesse você antes, não teria comprado esse negócio para o meu sobrinho. Mas, se até o mês de abril do próximo ano, você não estiver empregado de novo, considere-se já trabalhando comigo. Se houver inverno, eu abro um armazém de estivas para você tomar de conta em Cajazeiras. Se for seco, eu boto um fornecimento. O fato é que você não vai ficar prejudicado e de todo jeito trabalha comigo.
Estávamos no final de 1941. fiquei com Seu Chico Olívio até 31 de dezembro. Tendo ido passar o Dia de Ano com os meus familiares em Cajazeiras, por lá me demorei no aguardo das novidades.
Desafortunado Senhor De Piano! Novamente ele me encontra, novamente vamos trabalhar juntos. Agora a mercearia é ali nos Remédios, um arruado de quatro ou cinco taperas que nem pode ainda ser chamado de bairro.
Quando estávamos em franco desenvolvimento, começa outra vez o desentendimento do casal.
- Preciso de sua ajuda – ele me diz.
- De que se trata?
- Minha mulher vai botar veneno na minha comida. Vou fazer o meu prato com você de agora por diante.
Percebi logo que alguma coisa funcionava mal na cabeça do meu patrão. Cedo ele passou também ao mais completo descontrole financeiro. O que eu deveria fazer? Apesar do apelo comovente do seu próprio pai para que eu permanecesse ajudando o malogrado comerciante, minha decisão era inabalável:
- Vou-m’embora. Isso aqui não pode ter futuro.
O Senhor De Piano se desesperou. Pouco tempo depois a mercearia acabou-se.



 

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